Amores,
Hoje faz 5 meses que começou a quarentena. Por coincidência também é meu aniversário de 45 anos. Passei o dia todo corrigindo tarefas para fechar a nota até amanhã, prazo máximo dado pela direção para fechamento do 1º bimestre. Fui meio pega de surpresa. Achei que só fecharíamos as notas no final do semestre, já que ele ficou menor e conturbado. Desde quarta da semana passada estou trabalhando mais para colocar tudo em dia, pois eu fiquei 20 dias mal da dengue e ainda sofro muito para mexer na plataforma. Além disso, quando vocês mandam fotos de escritos no caderno fica muito mais difícil e demorado para corrigir. Estamos todos aprendendo a lidar com a educação remota. Já evolui, mas tenho muito que aprimorar. Sei que vocês estão fazendo o que podem também. Na hora da correção sinto que sou dura, mas alivio ao definir a nota final. Quero mostrar em que devem melhorar, mas sei das inúmeras dificuldades e superações que estão passando, como eu também. Sinto que estou ficando mais sábia, superando antigas neuroses e abrindo espaço efetivo para realizar sonhos e me cuidar. Nesse exato momento estou muito cansada, mas em geral estou fazendo de tudo um pouco com mais leveza do que fazia antes. Espero que consiga passar essa tranquilidade a vocês. Estamos juntos nessa jornada e quero apoiá-los o máximo que eu puder.
Estou terminando de corrigir os exercícios do livro e entrarei na redação final em grupo na sequência. Essas duas atividades foram as que mais valeram até agora, pois leitura e escrita são habilidades básicas para qualquer cidadão. A redação coletiva exige mais recursos acadêmicos e sociais de vocês, me sinalizando de fato o que aprenderam no bimestre a ponto de conseguirem expressar. Essa tarefa parte da temática "A formação dos jovens na atualidade", em homenagem ao dia do estudante (11/8). A ideia é escrever um texto bem articulado, ancorando todo o conteúdo sociológico aprendido na análise da obra do PAS: "Aos olhos de uma Criança" - clipe Emicida.
A música é trilha sonora do filme "O menino e mundo", animação longa metragem brasileira excelente! Não consegui disponibilizar aqui, mas quem conseguir o link pela internet me manda por zap que eu publico.
Nesta sexta às 15h farei um meet de atendimento aos alunos que estão com dúvidas em relação às notas. Minha meta é entregar no grupo de aulas de sociologia as planilhas de notas das turmas até 14h. Na próxima semana teremos conselhos de classe e depois farei reunião on-line com os responsáveis de vocês.
Infelizmente me frustrei na minha meta. Mas escrevi dois textos que vou disponibilizar na plataforma e abaixo, sobre minhas angústias no processo de fechamento do bimestre:
CONSIDERAÇÕES SOBRE AVALIAÇÕES E NOTAS
Fechar o bimestre é a tarefa mais difícil e chata para mim,
enquanto professora. Avalio o tempo todo e troco percepções, porém
colocar isso em algarismos é outra história. A nota é injusta por
fundamento. É desumano definir em um número frio e vazio o processo
de aprendizagem de alguém, o qual mal conheço.
Tenho cerca
de 200 alunos a cada semestre. Dificilmente consigo aprender o nome
da maioria. Leio com carinho e atenção todas as tarefas que me
entregam, dando dicas para melhorar o aprendizado. No entanto, quando
dou a nota, geralmente sinto mal estar, como se algo estivesse
errado. E está! Esse é o momento mais conflituoso da relação
professor-aluno. Todo o trabalho que faço de inclusão, apoio mútuo,
compreensão, diálogo e estimulação se perde um pouco quando
chegam os “resultados”. Ninguém quer ser julgado como um número!
É justo que os estudantes se sintam injustiçados. Às vezes até se
acham perseguidos (muito comum na adolescência). Mas o que fazer?
Sempre há coisas que não gostamos no trabalho, na casa, nas
relações, no sistema. Maturidade é saber lidar com isso, fazendo
escolhas e assumindo responsabilidades. Então, lido da seguinte
forma com essa chatice de nota: uso como instrumento para estimular a
dedicação ao estudo. Gosto de dar pontos extras por isso. Quanto
mais a pessoa consegue fazer mais ganha, sem limites. Aqueles que têm
dificuldades, por diversos motivos, deixam de ganhar alguns pontos,
mas sempre podem ganhar outros e vencer os obstáculos do sistema.
Nessa perspectiva, a nota entra como pontuação de jogos, para
estimular a brincadeira, sem o peso de avaliar ou definir a pessoa.
Gostaria que internalizassem essa percepção mais lúdica das notas
para o processo de aprendizagem de vocês ser mais leve, saudável,
feliz e nossa relação ficar cada vez melhor.
Lembrem sempre
do nosso principal motivo de estarmos aqui: APRENDER. O que
aprendemos ninguém nos tira nem se perde. A avaliação é
importante nesse processo, com ou sem nota. Faz parte da troca, do
autoconhecimento e do aperfeiçoamento pessoal ou coletivo. Estou
aberta à avaliação de vocês, pois quero estar sempre melhorando
meu trabalho e minha ação no mundo. Com diálogo, amor e dedicação
construiremos uma aula, uma escola e uma sociedade cada dia mais
satisfatória para todos. “Sonho que se sonha junto é realidade”
(Raul Seixas)
AVALIAÇÃO E NOTAS NA PANDEMIA
As dificuldades no
processo de avaliação estão aumentadas na pandemia. Fomos todos
surpreendidos e estamos nos adaptando, sem certezas ou controle. Como
avaliar e dar notas neste contexto em que o novo e o precário nos
cercam cotidianamente? Que parâmetros usar? Qual nosso objetivo
aqui? Onde queremos chegar? Essas questões estão presentes
constantemente enquanto elaboro, corrijo e dou notas em tarefas,
tornando esse processo mais lento e angustiante. Mas como evitar essa
reflexão? Como professora de Sociologia devo estimular o senso
crítico, a reflexão e desnaturalização das relações e padrões
estabelecidos.
Como docente fiz a escolha de usar a avaliação
e a pontuação para estimular o estudo. Aprendi que se dou nota alta
para todos, os estudantes se sentem pouco reconhecidos. Por outro
lado, quando dou notas baixas, ficam com raiva da disciplina, de mim
ou de si mesmo. Nos dois casos, a produção tende a cair e, em
consequência, o aprendizado também. Então, procuro fazer tarefas
diversas que mobilizem recursos variados, de modo que todos, com suas
facilidades e dificuldades distintas, consigam realizar uma média
razoável de trabalhos. Claro que sempre têm aqueles que fazem tudo
e tiram notas acima de 10 pontos. Também é recorrente uma pequena
porcentagem de alunos que ficam abaixo da média. Isso era fácil de
resolver, adequando os exercícios seguintes, com graus de
dificuldades diferentes, dentro da zona de desenvolvimento de cada
grupo. Dessa maneira todos eram estimulados no que precisavam e davam
conta. Além disso, sempre estimulei a troca de conhecimentos com
atividades coletivas.
Agora, como fazer isso na quarentena? As
primeiras atividades coletivas me decepcionaram um pouco. Por outro
lado, as últimas me deixaram razoavelmente satisfeita. Todas me
deram muito trabalho para orientar e corrigir. Levei muito mais tempo
do que eu esperava e entrei muito mais em crise para fechar o
bimestre. É claro que tenho outras demandas em casa e existenciais,
das quais era livre antes. Mas o que me incomoda profundamente na
condição atual é a sensação de impotência frente aos excluídos
do processo. O que podemos fazer com os que estão com acesso remoto
limitado? O que essas pessoas estão passando? Será que o aluno
deixou de fazer por escolha ou falta dela? A nota baixa vai
estimulá-lo a correr atrás do prejuízo ou vai desanimá-lo geral?
Por outro lado, tem aqueles que fizeram tudo, mas com um grau de
dificuldade baixo (já que à distância minha condição de apoio é
menor). A nota muito alta vai reforçar o comportamento dedicado ou
gerar apatia por sentirem que já sabem tudo o que precisam?
Estou
compartilhando esses dilemas, para ter empatia e apoio de vocês.
Juntos somos mais fortes e sábios. Nosso objetivo principal é
comum: O APRENDIZADO PARA A QUALIDADE DE VIDA DE TODOS. Recebam as
notas com esse olhar, para crescerem e se apoiarem. Ela é um
recurso, um meio, um índice de pesquisa, jamais um fim em si.
Estamos todos sempre em processo de formação e desenvolvimento. O
fim é a morte. Queremos viver, crescer, amar, trocar, criar, semear,
sonhar, inovar, entre tantas outras coisas que nunca caberão em um
número frio e burocrático. Somos muito mais! Sigamos juntos, de
mãos dadas.